12º Encontro do CEMLA: além da missão ad extra

de Cemla – 01/03/2024

Aconteceu em Medellin (Colômbia), entre os dias 26 de fevereiro a 01 de março de 2024, o 12º Encontro anual do Centro de Estudos Missionários Latino-Americano (CEMLA), cujo integrantes são missionárias e missionários xaverianos presentes no Continente. A temática que dominou o estudo foi Além da missão ad extra”. Ao longo dos dias foram refletidos, analisados e discutidos textos preparados anteriormente, que deverão ser publicados nas próximas semanas. Também no começo do encontro foi feita a análise das diversas realidades sociais, políticas e eclesiais dos nossos países (México, Colômbia e Brasil).

As congregações e as instituições que enviam missionárias e missionários além-fronteiras, se configuram em torno à tríade da missão ad gentes, ad extra, ad vitam. Essa tríade não esgota a missão, mas exalta a sua urgência, universalidade e radicalidade. Todavia, é preciso aprofundar e atualizar seu sentido diante da conjuntura atual, como também para evitar o risco de repropor uma missão colonial.

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Além-fronteiras, ad extra, entre os confins da terra e as periferias existenciais

A missão além-fronteiras entendida principalmente como saída geográfica do próprio ambiente, cultura e igreja de origem (ad extra), constitui um critério importante, mas insuficiente para definir os contornos de um carisma e de um projeto missionário ad gentes. Hoje as fronteiras são múltiplas, são coloniais, são invisíveis, são excludentes e necessitam serem assumidas com urgência, ousadia e sem medo para que seja testemunhado e anunciado o Reino da Vida a todos. Impulsionada pela perspectiva da “Igreja em saída” do Papa Francisco, a missão é chamada a tomar iniciativa (EG 24), deixando a tranquilidade passiva dos templos e das sacristias (DAp 548), saindo da própria comodidade e tendo a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho (EG 20): “nada do humano pode lhe parecer estranho” (DAp 380).

Isso implica não apenas mudar de país, aprender uma língua e se inserir na vida de outro povo, mas ter a capacidade de olhar o humano a partir de dentro, perceber as alegrias e as tristezas, saber colher os anseios e as aflições, partilhar o cotidiano com espírito de serviço e de luta, tecer relações humanas de ternura e de amizade, habitar as fronteiras do mundo dos pobres: aprender, escutar, dialogar, trabalhar, viver e, sobretudo, alimentar a esperança. Muito mais que um movimento exterior, a missão ad extra é chamada a expressar um movimento interior, um jeito de ser e de viver, uma paixão intensa e incarnada pela humanidade, um impulso de gratuidade que não se contêm e que alcança a extensão dos confins da terra nas profundezas das periferias existenciais.

Tudo isso do que estamos afirmando, não é muito diferente do que já dizia Paulo VI na Evangelii Nuntiandi: “para a Igreja não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos, mas de chegar a atingir os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade” (EN 19). Por sua vez o Documento de Puebla lembrava: “a evangelização tem de calar fundo no coração do homem e dos povos. Por isso sua dinâmica procura a conversão pessoal e a transformação social. A evangelização há de estender-se a todos os povos; por isso sua dinâmica procura a universalidade do gênero humano. Ambos estes aspectos são de atualidade para evangelizar hoje e amanhã a América Latina” (DP 362).

Repetita iuvant … sed secant?

Muitas das reflexões que apresentamos, são propositalmente argumentos que retomamos e repetimos várias vezes em nossas publicações. Apesar de ter chamado à atenção frequentemente para os avanços da Teologia da Missão dos últimos 30-40 anos, certas ideias teimam a entrar na reflexão e na prática missionária, tanto em nível de comunidades locais como também em nível institucional. A dificuldade de se desprender de saudosas visões do passado que motivaram entregas heroicas e testemunhos exemplares, assim como o surgimento inovador de instituições missionárias, parece vinculada ao medo de uma infidelidade intencional em relação aos propósitos pelos quais essas realidades foram criadas.

Com efeito, qualquer fundação tem sempre seus contornos estritamente contextuais: surge em um determinado âmbito sociocultural, alimenta-se de uma sensibilidade e de uma espiritualidade encarnada numa conjuntura histórica, transmite uma visão de mundo ligada a uma particular compreensão da realidade. Essas são as condições básicas para um carisma surgir, existir e se comunicar: o carisma congregacional é sempre histórico e, portanto, intrinsecamente finito em suas expressões, em suas articulações e em seus projetos.

Com a mudança dos tempos e dos contextos, os propósitos e as finalidades de qualquer realidade associativa vão radicalmente revistas e ressignificadas, pena correr o risco de se tornar irrelevantes e autorreferenciais diante dos novos desafios que se apresentam.

Hoje em dia, parece que muitos estão ancorados a um passado que não existe mais. Repetimos mais uma vez: o mundo não é mais o mesmo de cem, cinquenta ou trinta anos atrás. Uma afirmação tanto obvia como tremendamente mal assimilada. A realidade fala por si, apesar dos filtros ideológicos dedutivos com os quais habitualmente a analisamos.

Amar a nossa vocação missionária

Desta maneira, o axioma da missio ad gentes, ad extra, ad vitam pode resultar tanto anacrônico quanto vazio de significado para a conjuntura atual, se não se fizer uma releitura e uma ressignificação profunda. Pode estar sendo utilizado para justificar tanto uma missão colonial, como também uma “missão liquida”, acomodada e esvaziada de compromisso profético.

Parece-nos claramente de perceber uma certa resistência em enfrentar com coragem as implicações de um novo paradigma missionário que emerge das mudanças epocais que estão acontecendo. Isso requer uma nova mentalidade, uma nova linguagem e uma nova visão teológica que fatiga a vingar, enquanto o clericalismo, o conformismo e o paroquialismo continuam ceifando perspectivas esperançosas de transformação.

Ao mesmo tempo, quem procura encabeçar uma reflexão e uma pesquisa em determinadas direções, é marginalizado no limbo das múltiplas opiniões descartáveis. Estudos e reflexões não serão em todo caso perdidos, porque outras pessoas e outros projetos, cedo ou tarde, irão fazer um bom proveito deles. Todavia, não é certamente edificante assistir a uma articulação introspectiva que produz documentos insossos, diretrizes irrelevantes, programas sem impulso profético, enquanto teríamos um magistério pontifício que poderia nos inspirar e incentivar a dar expressivos saltos adiante.

Colocar a missão em questão não é uma falta de amor à vocação missionária: pelo contrário, exatamente porque é de corpo e alma que nos dedicamos à missão ad gentes, entendemos que essa realidade genuinamente evangélica há de ser estruturalmente repensadas para os dias atuais, segundo certas perspectivas, assim como de outras que eventualmente haverão de surgir. E tudo isso para responder adequadamente e responsavelmente à missão à qual fomos chamados e chamadas.

Desburocratizar a missão

Com a contribuição de nossos aportes, queremos apenas talvez abrir um debate entre missionários e missionárias, para discernir continuamente os caminhos da missão ad extra e de seu contínuo cruzar fronteiras. Parece-nos que, diante dos desafios do mundo atual, precisamos desconstruir a identificação unívoca do ad extra com as fronteiras geográficas: um dogmatismo nesse sentido não faria jus a uma autêntica sensibilidade missionária, e nem a um carisma radicado no mais genuíno espírito evangélico.

Precisamos prestar atenção à pauta das urgências que o mundo nos apresenta, antes de elaborar projetos de vida a partir de saudosos pressupostos. Uma missão além do ad extra convida a enxergar as fronteiras existenciais em qualquer lugar onde nós estamos, aqui e agora, saindo da acomodação sem titubear, com coragem e ousadia, desburocratizando e desamarrando a missão ad gentes de vínculos excessivamente institucionalizados.

Medellín, 1 de março de 2024

Diego Jorge Alvarado Pacheco – México
Estêvão Raschietti – Brasil
Geraldo López Custodio – México
Osvaldo Pulido Reynoso – Colômbia
Rafael López Villaseñor – Brasil
Raymundo Camacho Covarrubias – Brasil
Tea Frigerio – Brasil