Simpósio de Missiologia debate leitura da Bíblia na prática da Missão
de Jaime Patias – 25/02/2014
“A leitura bíblica deve começar do chão das maiorias oprimidas”, afirmou a pastora metodista, Nancy Cardoso Pereira, ao abrir as reflexões no 3º Simpósio de Missiologia, que acontece ao longo desta semana em Brasília (DF). Promovido pelo Centro Cultural Missionário (CCM) e a Rede Ecumênica Latino Americana de Missiólogos e Missiólogas (RELAMI), o evento reúne 50 pessoas entre, docentes, teólogos, pesquisadores, representantes de instituições missionárias, agentes de pastoral e animadores missionários, de todo o Brasil e convidados da Bolívia e do México. Os estudos se concentram no tema: “Palavra de Deus e Missão: identidade, alteridade e universalidade na Bíblia”.
Nancy Cardoso é doutora em Ciências da Religião e membro da equipe de reflexão do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), grupo que em suas investigações toma como base a realidade, a bíblia e a comunidade. “O biblista popular deve começar sua reflexão, a partir das desconfianças do povo. A missão deve ser alimentada pela leitura e pela crítica popular. Desta crítica e autocrítica, nasce a espiritualidade, as ações políticas e a missão”, destacou a pastora. “Quem estuda Bíblia deve se expor às contradições da realidade, ler a Palavra e ter uma vivência na comunidade”, completou. A questão em debate é como utilizar a Bíblia na prática da Missão.
Recorrendo textos bíblicos, Nancy procurou demonstrar como ler a Bíblia na missão. “É uma leitura de espiritualidade e produção de projetos”, disse. A assessora destacou ainda a metodologia adotada por teólogos e pensadores como, José Comblin, Gustavo Gutierrez, Enrique Dussel, Jurgen Moltmann e Hugo Assmann. Nos estudos, “não dá para começar da Bíblia em si ou da história da Igreja, mas da realidade que pisamos na missão”, alertou a biblista que é agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e há anos circula em acampamentos de Sem Terras.
Em sua opinião, os comentários oficiais alemães “escondem os pés, pois agindo com imparcialidade não dizem de onde partem. A universalidade não pode o ser ponto de partida, mas sim o chão da comunidade onde vivemos, as perguntas dos camponeses, o movimento das mulheres, os oprimidos que também pensam e fazem teologia”, finalizou.
Pastora Nancy atua também, no Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel (EAPPI) que leva pessoas do mundo todo à Cisjordânia para experimentar a vida sob a ocupação. Os acompanhantes ecumênicos fornecem proteção para as comunidades vulneráveis, monitoram abusos dos direitos humanos e incentivam palestinos e israelenses a trabalharem juntos pela paz.
A esperança profética
Numa segunda reflexão sobre Israel, o povo eleito e os outros povos, Irmã Tea Frigério, que também é membro da Equipe de reflexão do CEBI, analisou o Segundo Isaias. A religiosa explicou que, da sua visão não nasce uma proposta missionária. A ler o profeta, podemos descobrir a quem ele quer dar voz. “Essa atitude nos leva a perguntar: na escuta de quem nós queremos estar e quais rostos aparecem”, sublinhou.
O profeta não está sozinho, mas é uma expressão da comunidade profética. Isaias quer convidar para olhar um determinado grupo de pessoas identificado pela seguinte versículo: “Os infelizes que buscam água e não a encontram e cuja língua está ressequida pela sede, eu, o Senhor, os atenderei, eu, o Deus de Israel, não os abandonarei” (Is 41,17). Para irmã Tea, o profeta quer que coloquemos nosso olhar sobre esse grupo de pessoas no mundo atual. “Pessoas que tropeçam e caem pela fadiga, a serviço dos tiranos e desprezado, despojados, saqueados” (Is 52, 3).
Para entender a mensagem de Isaías precisamos partir da realidade dos oprimidos que têm um sonho utópico. O profeta não tem uma proposta missionária, universal, mas tem uma esperança a oferecer para estas pessoas.
Irmã Tea recordou ainda que, “no tempo bíblico de Segundo Isaias, o Império babilônico investia na militarização e na construção de templos e palácios em detrimento das necessidades dos pobres. Enquanto hoje, os maiores investimentos vão para a contração de estádios, grandes obras, para a defesa e palácios, o povo mais pobre fica sem hospitais, escolas e moradia”.
Para reconstruir a identidade é preciso acordar da apatia, ter a capacidade de sonhar e resgatar a memória histórica. “É isso que o profeta está tentando fazer. No texto ele destaca cinco ações de Javé em favor de Israel-Jacó: “eu te escolhi, te agarrei com força, te chamei, não te rejeitei, te ajudei, por isso sê forte e não temas”. (Is 41, 9 ss).
A partir disso, o profeta começa a reconstruir a identidade do povo. Ao longo da história, Deus assume os rostos das necessidades que as pessoas têm. “Aos filhos ilegítimos ele diz: eu sou Pai; aos escravos, ele diz: eu te resgato; a quem faz uma experiência de rejeição, ele diz: eu sou como uma mãe que te acolhe; ao sedento ele diz: eu sou a chuva… Falamos de Deus através de nossas experiências”, recordou. Com isso, “somos convidados a escutar essas vozes que também fazem teologia e têm um jeito próprio de falar de Deus. Aqui nasce a missão”.
A programação do Simpósio se estende até sexta-feira, 28, e conta com a participação de renomados teólogos e biblistas, tais como, Frei Carlos Mesters, Francisco Orofino, Paulo Suess, Estêvão Raschietti, Carlos Intipampa, pastor metodista boliviano.
O 1º Simpósio de Missiologia aconteceu em 1999, em de São Paulo. Já a 2ª edição foi realizada no CCM, em Brasília, em 2013.