“Missionária, misericordiosa, pobre e para os pobres. Esta é a Igreja sonhada por Francisco”, afirma cardeal
de Jaime Patias – 17/03/2016
Em Brasília para reunião com a Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB, o cardeal dom Cláudio Hummes presidiu missa celebrada com os participantes do 5º Simpósio de Missiologia. Em sintonia com o tema do evento “Francisco, timoneiro da esperança: para uma missão a serviço do mundo de hoje e amanhã”, na homilia, o cardeal falou sobre a missão na Amazônia destacando aspectos da reforma da Igreja sonhada pelo papa.
“A Comissão para a Amazônia existe para sensibilizar o resto do Brasil a ser mais missionário, e cuidar mais da missão na Amazônia”, disse dom Cláudio convidando os missiólogos a serem solidários com a Igreja naquela região. “Isto também significa incentivar novos missionários e missionárias e apoiar com recursos materiais a Amazônia”.
Como presidente da Comissão, o cardeal Hummes relatou que já visitou mais de 30 dioceses e prelazias na Amazônia Legal. “Isso é uma graça muito grande porque vocês aqui estão estudando e com razão a Igreja precisa disso, aprofundar essas questões da missiologia, das missões. Na Amazônia eu encontro os missionários e missionárias. Confesso que, para mim, isso é um curso de missiologia permanente que eu faço andando nessas comunidades”, revelou.
Ao lado de dom Cláudio, concelebraram dom Erwin Krautler, bispo emérito do Xingú (PA), dom Moacyr Grechi, arcebispo emérito de Porto Velho (RO) e dom Roque Paloschi, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho.
A reforma da Igreja
Amigo pessoal de Francisco, dom Cláudio Hummes conhece profundamente o coração do papa argentino. “Vocês estão enfocando a figura do papa Francisco, dentro do seu grande projeto de transformar a Igreja numa Igreja missionária, toda a Igreja, não apenas aquelas regiões assim ditas missionárias. Missionária, misericordiosa, pobre e para os pobres”, destacou. E prosseguiu: “é o interessante que o primeiro capítulo da Evangelli Gaudium é sobre a transformação missionária da Igreja. Este é o principal foco de Francisco. Ele fala isso no primeiro capítulo”. Segundo dom Cláudio, essa conversão para Francisco é “fazer uma verdadeira reforma. Ele usa a palavra reforma, que era evitada na época do Concílio por causa da reforma protestante. Falava-se em renovação, atualização, mas a palavra reforma foi evitada nas discussões … e depois, na verdade, ela aparece naquele documento sobre ecumenismo, mas num documento menos importante. E a grande reforma para o papa é que nós precisamos transformar a Igreja. Não é zerar a Igreja e começar de novo, não. Essa Igreja que está aqui, que está caminhando nesse nosso mundo, essa Igreja que nos foi entregue, com essa tradição viva, nós temos que transformá-la de novo numa Igreja totalmente missionária. Francisco diz totalmente, tudo, tudo deve ser encaminhado para que a Igreja possa ser mais missionária. Ele diz, todas as nossas estruturas, todos os nossos programas, a nossa linguagem, o nosso jeito, tudo deve ser em vista de uma Igreja que seja missionária. E tudo que nos atrapalha tem que ser eliminado, ou seja, aquelas mil razões que temos para não sermos missionários, porque sempre temos mil razões para não sairmos em missão, para ficar em casa, acomodado, esperando que a Igreja venha… É preciso afastar essas mil razões e assumir de novo, com coragem, uma mandato missionário. Isso é muito interessante e o papa continua insistindo, constantemente nisso”.
O evangelho é para todos
como é difícil sair. A palavra saída. Como facilmente nós ficamos em casa, nos abrigamos em casa… E você também precisa ter razões profundas para sair. Não só nós padres, irmãs, agentes de pastoral, mas a Igreja como um todo, as comunidades têm que sair. Sair pra todos. Nós não temos que ficar naquela ideologiazinha de que basta converter alguns, ter algumas comunidades pelo mundo afora. Não, são todos mesmo. E ele cita constantemente textos onde se diz que o evangelho é para todos. Eu às vezes até cito aquela tradução oficial dos evangelhos, e ali quando se fala desse mandato de Jesus se diz assim: ‘Ide, fazei discípulos meus todos os povos” (Mt 28, 19-20a). Mas, a tradução da CNBB diz: ‘fazei discípulos entre todos os povos’. Só que o grego diz direto: ‘todos os povos’, não diz ‘entre’. Porque o entre pode ser interpretado ‘se temos algumas comunidades, então realizamos a missão’. Não. Jesus, segundo o texto grego: ‘fazei discípulos meus todos os povos’. Talvez só a tradução francesa tenha esse detalhe, ‘entre’ todos os povos. Não sei se uma coisa contagiou a outra. Em todo caso é muito forte essa intenção do papa de transformar a Igreja numa Igreja missionária. O mundo todo é a grande missão da Igreja”.
Uma Igreja vai para as periferias
Nessa saída a Igreja deve ser misericordiosa. “Quando nós saímos para todos, tem um detalhe, diz o papa, de preferência para as periferias, para os pobres, eles têm a prioridade. A opção preferencial pelos pobres é fundamental para a Igreja missionária. Ela tem que ir para as periferias. E a gente também pode dizer, a grande Amazônia é uma periferia e dentro da Amazônia, tem por sua vez, também as periferias da periferia. Eu sempre digo que os indígenas, são a periferia da periferia”.
Uma Igreja inculturada
O papa também afirma que uma Igreja missionária também deve ser uma Igreja inculturada. “Nós não podemos aceitar uma Igreja apenas de enculturação europeia, diz o papa. Essa Igreja que predomina. O papa diz que nós não podemos nos resumir a isso. Porque uma cultura só não esgota a riqueza do evangelho. Aí que ele fala da Amazônia, nós temos que ter uma Igreja de rosto amazônico. Uma Igreja de clero autóctone. O que é um rosto amazônico? É servir uma Igreja que se envolve na história, na cultura, nos problemas, nos sonhos daquele povo da Amazônia. E se transforma numa Igreja que tem aquele rosto, o rosto daqueles sonhos, daquelas aspirações, dos seus projetos, dos seus problemas, dos seus desafios, da sua carência. A partir do momento que se envolve, começa a ter o rosto da Amazônia. E se envolver significa ir para a rua, ser missionários que vão para a rua, que se envolvem, que sujam as mãos, que arregaçam as calças e não têm medo de suar a camisa. Isso é uma Igreja com rosto local”.
O que salva é a misericórdia
Dom Cláudio avalia que o papa Francisco diz coisas muito fortes. “E ele diz que a misericórdia deve ser o grande testemunho. A palavra é importante porque ela tem que iluminar nossa ação, ela explica, ilumina, dá as razões da minha ação missionária, da minha caridade, da minha misericórdia. Mas é a misericórdia que salva, não a palavra. O missionário deve ser e fazer a diferença na medida em que ele é misericordioso. Aliás, a Igreja faz a diferença na medida em que ela for misericordiosa. A Igreja missionária, mas que transforma essa parada na caridade, na misericórdia. São Paulo diz que a fé deve ser expressa senão ela é uma fé morta. A palavra é vazia se ela não levar a isso. Se ela não se transformar em vida ela será uma palavra morta. Ela tem que ser transformada em caridade”.
Por fim, dom Cláudio falou do testemunho dos missionários na Amazônia. “Quando eu vejo esses missionários é aí que a gente aprende missiologia. Eu aprendo muito sobre missão exatamente por causa disso. O testemunho desses missionários e também da Igreja local, aquelas comunidades, elas são vivas, elas batalham, elas se sacrificam. Sempre é necessário renovar a própria comunidade de novo. Porque a comunidade tem uma tendência a se acomodar, de cuidar de si mesma e nisso esquece a missão, se esquece de sair. Que o papa Francisco possa também iluminar esse Simpósio de vocês e dar a todos a alegria de sermos mais missionários. O papa diz que a missão traz alegria para o missionário e para o povo que recebe essa palavra e essa ação misericordiosa da Igreja”, finalizou.
A Rede Eclesial Pan-amazônica (Repam), criada em setembro de 2014 e hoje presidida pelo cardeal Hummes, tem justamente por finalidade encorajar e coordenar ações para a defesa dos povos e do ecossistema na grande região da Amazônia que abrange nove países.
Fonte: POM