Carta para Arthur do Val: a condição feminina na guerra e na paz
de Jamil Chade – 06/03/22
Em seguida aos comentários sexistas do deputado estadual e pré-candidato ao Governo de São Paulo Arthur do Val, o “Mamãe falei”, em que ele teria afirmado que as ucranianas são “fáceis” de pegar por serem pobres, e que a fila de refugiados da guerra tem mais mulheres bonitas do que a “melhor balada do Brasil”, não faltaram manifestações generalizadas de repúdio e pedidos de cassação. Chamou atenção essa carta particularmente inspirada, que o jornalista Jamil Chade dirigiu ao deputado a partir de sua experiência como correspondente internacional.
Senhor deputado,
Confesso que não conhecia seu nome, e nem sua denominação de guerra. Mas os áudios indigestos que vazaram com seus comentários sobre a situação na Ucrânia me obrigaram a escrever aqui algumas linhas sobre o que eu vi em campos de refugiados e filas de pessoas desesperadas para escapar da guerra e da pobreza ao longo de duas décadas.
Não estou acusando o senhor e sua comitiva do que estará exposto abaixo. Mas considero que, sem entender essa dimensão do sofrimento humano, fica impossível justificar uma viagem como a que o senhor faz para ajudar a defender um povo.
Ao longo da história, a violência sexual é uma das armas de guerra mais recorrentes para desmoralizar uma sociedade. Ela não tem religião, nem raça. Ela destrói. Demonstra o poder sobre o destino não apenas das vidas, mas também dos corpos e almas.
Percorrendo campos de refugiados em três continentes, o que sempre mais me impressionou foi a vulnerabilidade das mulheres nessa situação.
Mas, antes, vamos ser claros aqui. Não precisamos sair do Brasil para saber que as mulheres, simplesmente por serem mulheres, precisam passar a vida se explicando. Como se necessitassem de chancela ou justificativa para determinar o destino de seu corpo ou coração, se podem trabalhar ou ter tesão. Intolerável, não?
Então, o senhor pode imaginar o que isso significa em tempos de guerra, onde a lei e a moral são suspensas?