De volta de Salzburgo

de Estêvão Raschietti – 11/10/2021

Foto de Andreas Kolarik. A partir da esqueda: Pe. Cristian Tauchner, Marina Teixeira, o Decano Dr. Zichy, a professora Dra. Margit Eckholt, o premiado Estêvão Raschietti, o vereador Dr. Tarik Mete, o Reitor Dr. Hendrik Lehnert e o anfitrião Dr. Franz Gmainer-Pranzl.

 

Estou de volta nestes dias da cidade de Salzburgo, na Áustria, onde me foi conferido o Prêmio Erwin Kräutler de Teologia Contextual, Dialogo inter-religioso e Teologia da Libertação, pela minha tese de doutorado: “Missão e decolonização. A emergência de um novo paradigma missionário na América Latina”.

Este prêmio é atribuído por um júri de teólogos renomados a cada dois anos e tem como objetivo valorizar os trabalhos acadêmicos que destacam e aprofundam as questões missionárias pelas quais Dom Erwin Kräutler deu a vida. Dom Erwin é austríaco e bispo emérito da Prelazia do Xingu, no Pará. Sempre foi um dos principais defensores dos direitos humanos e das causas dos povos indígenas da Amazônia. Graças também à sua atuação, particularmente junto à CNBB, a Amazônia entrou na agenda eclesial como um tema missionário de primeira ordem.

Os xaverianos trabalham há muito tempo no Xingu, prelazia que agora foi dividida em duas circunscrições eclesiásticas. Pessoalmente, conheci e trabalhei com Dom Erwin em Brasília, quando ele era presidente da Comissão Missionária. Eu era então secretário do Conselho Missionário Nacional. Daquele momento em diante nos encontramos ainda várias vezes no Centro Cultural Missionário, assim como em outras ocasiões.

Quando recebi o anúncio do prêmio em homenagem a Dom Erwin, fiquei bastante intrigado. Enviei a minha tese sem muita pretensão, com a intenção inicial de fazer circular os nossos trabalhos e atar vínculos com algum centro acadêmico pelo mundo afora. O resto veio por si.

Em julho deste ano, por minha grande surpresa, me comunicaram que havia ganhado. Foi convidado a receber o prêmio em Salzburgo. Depois de um tentativo de hesitação, entendi que era importante estar presente, pois era um momento de prestigio para a própria Faculdade e, evidentemente, para mim também: não podia desonrar esse reconhecimento.

Cheguei a Salzburgo no dia 6 de outubro, sentindo-me logo atenciosamente acolhido e simpaticamente reverenciado. O dia seguinte houve a cerimonia da premiação. O ritual foi sóbrio, mas solene. Inaugurava-se ao mesmo tempo um simpósio sobre teologias contextuais da libertação.

O professor Dr. Franz Gmainer-Pranzl, coordenador do Centro de Teologia Intercultural e Estudo das Religiões, foi o principal anfitrião. Ele abriu a sessão da entrega do prêmio com algumas palavras introdutórias: “Diante da alternativa entre uma rejeição total da ação missionária de um lado e uma concepção neocolonial de outro, Raschietti mostra como uma teologia missionária descolonialmente informada pode ser elaborada. Missão não acaba sendo um resquício de uma política religiosa pré-moderna, mas uma expressão de um processo de aprendizagem mútua que é cultural, política, religiosa e teologicamente relevante”.

Em seguida tomou a palavra o Reitor da Universidade Dr. Hendrik Lehnert, e o Dr. Tarik Mete, vereador da cidade, que proferiram saudações de acolhida, sentindo-se muito honrados com minha presença na cidade e na universidade.

Passou-se, portanto, à laudatio com a apresentação da minha pessoa por parte do Pe. Cristian Tauchner, svd. Conhecemo-nos ainda nos anos 90, quando trabalhávamos nas revistas missionárias, ele no Equador e eu no Brasil. Junto com outros diretores fundamos a PREMLA, imprensa missionária latino-americana. Foi uma satisfação e uma alegria enorme reencontrar-nos e rememorar os velhos tempos.

A apreciação da minha tese foi por conta da teóloga alemã Margit Eckholt, que fez uma releitura original e ampla que me surpreendeu. Brincando, tive que admitir que a recepção tinha ficado melhor que o original. Ela também marcou seu testemunho com algumas importantes afirmações: “Nestes tempos em que a discussão sobre o colonialismo ganha espaço na política, na sociedade e na cultura, e assim, também a Missão é questionada em espaços seculares, é necessário um estudo como o de Raschietti que analisa de forma profunda, histórica e sistemático-teológica, extremamente precisa o que Missão é e pode ser, sem ignorar as questões vinculadas ao drama colonial”.

Finalmente, chegou a hora da premiação pelas mãos do Reitor da Universidade e da assessora do departamento de Teologia, a carioca Marina Teixeira, que também foi para mim a tradutora do evento. Obviamente tive que emendar algumas palavras que quiseram expressar todo meu agradecimento e meu embaraço em estar aí no meio desta comemoração que jamais teria esperado.

As belas palavras finais foram por conta do Dr. Michael Gabor Zichy, Decano da Faculdade Teológica.

Entre um momento e outro se exibiram com uma apresentação impecável, Gregor Unterkofler no piano e Alexandra Lassnig-Walder no saxofone. Afinal, estávamos na encantadora cidade natal de Wolfgang Amadeus Mozart: a música não podia faltar e nem falhar.

A experiência desta premiação me conduziu a conhecer e a ter um contato com ambientes acadêmicos vivos e aliados das causas libertadoras. Encontrar teólogos e teólogas jovens e brilhantes engajados nas mesmas causas decoloniais, e que comungam as mesmas perspectivas teológicas, foi para mim com um respiro de esperança e uma brisa leve de utopia, num mundo que parece ter perdido sua alma ao apagar a memória, narcotizado como está por uma cultura tecnocrática, um imaginário saudosista e uma ideologia totalitária e conservadora.

Que tudo isso seja auspicio e sinal de outro mundo possível, no qual, como diziam os revolucionários zapatistas, possa caber muitos outros mundos.