Para uma missão em uma perspectiva decolonial

de Estêvão Raschietti – 02/10/2024

Exposição apresentada no Seminário Internacional de Missiologia da Rede Latino-Americana de Missiólogos e Missiológas, realizado de 30 de setembro a 4 de outubro de 2024, na sede do Centro Nacional de Ayuda a las Misiones Indígenas (CENAMI), Cidade do México.

 

Olhando para a história recente da conquista do mundo pelo Ocidente, pode certamente parecer ousado – ou ingênuo – pensar em uma missão cristã de uma perspectiva decolonial.

No entanto, se pensarmos no movimento cristão primitivo, nas fontes bíblicas e patrísticas dos primeiros séculos, deveria de alguma forma surgir umas inspirações, tendo em conta com o que o cristianismo se tornou ao longo dos séculos, mas ao mesmo tempo com o que as igrejas são chamadas a tornar-se no presente e no futuro.

Em primeiro lugar, devemos considerar que a missão cristã moderna, aquela que conhecemos e que faz parte do nosso imaginário, é de facto estruturalmente colonial. O que queremos dizer com “colonial”?

Para responder a essa pergunta, poderíamos recorrer a quatro substantivos: expansão europeia no exterior, que marca a transição do Mediterrâneo para o Atlântico e o início da globalização do Ocidente; exploração econômica de recursos minerais, agropecuários e humanos em favor de metrópoles, empresas mercantis e nações colonizadoras; expropriação política dos povos originários, de seus territórios, de sua organização social e de sua cultura; extinção como estratégia sistemática de eliminação física, simbólica, espiritual do outro, negação de seu ser, afirmação de sua animalidade e subalternidade, naturalização da classificação racial.

Ao contrário do colonialismo entendido como um evento/processo histórico, a colonialidade se apresenta como a estrutura subjacente da modernidade ocidental, ou como seu “lado negro” ganancioso, imperialista, hegemônico, caracterizado por extrema violência física, moral, epistêmica, ontológica e cosmológica: ou seja, além da agressão explícita, há também a do conhecimento, do ser e da visão de mundo. Esses atos de violência determinam e moldam as relações políticas, econômicas e socioculturais do mundo até os dias de hoje, sob o patrocínio de vários projetos de dominação.

O que a missão cristã teria a ver com tudo isso? O cristianismo, concebido e desenvolvido em termos de cristandade, representa o princípio inspirador da estrutura do pensamento, da cosmovisão e da ética do imperialismo ocidental. O monoteísmo bíblico, a estrutura teocrática da Igreja – e, consequentemente, dos impérios –, a plenitudo potestatis conferida ao Papa, o eclesiocentrismo salvífico, o recurso à “guerra justa”, a expectativa escatológica ligada ao anúncio do Evangelho e à conversão de todos os povos (cf. Mt 24,14), são apenas alguns dos elementos que, desde o início, caracterizaram a empresa colonial como uma epopeia místico-religiosa, militar e mercantil.

Se, no decorrer do tempo, a religião foi substituída pela cultura secular, a fé pela razão, a igreja pelo Estado, a providência pelo progresso, o mistério pela ciência etc., apenas os termos do discurso mudaram, mas não as regras do jogo. As relações assimétricas e hegemônicas de supremacia do Ocidente sobre os demais povos foram de fato fortalecidas, com a absoluta convicção de que a civilização forjada pela modernidade representou o fim da história e o caminho para a realização definitiva dos projetos de vida de toda a humanidade.

Esta convicção está tão introjetada em nós que temos dificuldade em perceber a sua abrangência, ambiguidade e presunção, bem como o carácter absoluto e o racismo endémico subjacente, que se revela cada vez mais em episódios de estupidez, mas que é absolutamente conatural aos nossos modos de vida e à cosmovisão de uma modernidade que se considera emancipada e emancipadora.

A missão cristã moderna está imersa nesse vórtice autorreferencial que chamamos de “eurocentrismo”.

Certamente, o espírito messiânico das origens sempre acompanhou a missão das Igrejas e representou um dispositivo crítico em relação aos acontecimentos da história e ao próprio caminho do Povo de Deus. No entanto, sabemos que a autêntica profecia do Evangelho foi muitas vezes eclipsada pelos interesses político-comerciais que emergiram da simbiose entre o chamado poder espiritual e o poder temporal.

Acreditamos também, sem sombra de dúvida, que a presença do Espírito de Deus nunca falhou e nunca deixou de agir em meio aos cursos tortuosos e ambivalentes e às recorrências da história. A questão é saber e reconhecer se as igrejas e seus emissários sempre estiveram à altura da tarefa de participação e cooperação com esta missio Dei, e se ainda estão.

Uma missão em uma perspectiva decolonial começa aqui com uma retomada de seu caminho histórico desmitologizado, a partir de uma profunda reflexão sobre a indeclinável essência missionária da Igreja, de um repensar de suas premissas, de uma nova visão dos caminhos a serem percorridos e dos horizontes a serem atendidos. As igrejas não podem negar a missão sem negar a si mesmas: resta saber se e como é possível pensar essa missão em continuidade com seu carisma original e em certa descontinuidade com a tradição colonial moderna recente.

O simples recurso à culpa histórica da missão cristã, condenando-a a um recuo estratégico ou a uma moratória definitiva, como teria solicitado a “Declaração de Barbados” (1971), não parece ser uma solução razoável porque, além de não reconhecer a própria natureza da Igreja, não garantiria de forma alguma o fim da colonialidade e da opressão exógena e endógena.

Ao contrário, a memória e o arrependimento, como fizeram e documentaram os Papas João Paulo II e Francisco, são posturas desejáveis porque permitem positivamente uma redefinição das relações de encontro entre diferentes povos e culturas, um caminho mais atento, mais aberto, mais gratuito, mais discreto, mais fraterno, mais humano. É um caminho de aprendizado de discipulado que nunca terminaríamos de percorrer.

Se o caráter colonial é determinado em primeiro lugar pela expansão, o caráter decolonial certamente não será o seu oposto, ou seja, a contração e o fechamento – que para a missão seria a negação do Evangelho – mas uma nova abertura caracterizada pela tentativa de um encontro autêntico com o outro. A expansão em termos de conquista não foi de forma alguma uma abertura para o mundo: foi antes a afirmação da própria identidade sobre a alteridade. Passar da dominação ao encontro significa respeito, reconhecimento, diálogo, hospitalidade, amizade: significa passar da ansiedade do “salvacionismo” para a calma do convívio e da partilha; da militância do heroísmo à kenosis da irrelevância; da glória do triunfalismo ao desaparecimento silencioso no universo dos outros.

Em segundo lugar, a exploração colonial sempre foi um processo extrativista não apenas material, mas também e sobretudo simbólico, cultural e espiritual. Para o Ocidente, o outro é um objeto a ser estudado, a ser compreendido, a obter algo útil de sua cultura, de sua história, de sua experiência. Uma missão em uma perspectiva decolonial se esforçará para ver no outro um verdadeiro sujeito com quem tecer novas relações e com quem aprender a desaprender a mania ocidental de saquear, vivisseccionar, apropriar-se de tudo o que encontra à sua frente, e então reaprender uma nova abordagem da realidade da qual fazemos parte, junto com a alteridade que nos confronta.

Um terceiro aspecto lembra a expropriação colonial em que o missionário estrangeiro pretende inculturar-se – ou apropriar-se – e inculturar “sua” mensagem, quando, ao contrário, o processo de inculturação deveria dizer respeito exclusivamente ao interlocutor. O Papa Francisco recorda em Querida Amazônia que “somos chamados a participar como convidados e a buscar com extremo respeito os caminhos de encontro que enriquecem a Amazônia. Se queremos dialogar, devemos fazê-lo antes de tudo com o mínimo (…) Eles são os principais interlocutores, de quem devemos antes de tudo aprender, a quem devemos ouvir por um dever de justiça e a quem devemos pedir permissão para poder apresentar nossas propostas” (QAm 26).

Por fim, diante da extinção que continua ostentando seus massacres, a missão cristã deve promover mais do que nunca uma cultura profunda e radical da vida por meio de uma pedagogia decolonial, comprometendo-se a desmascarar toda ideologia e teologia da dominação, desenvolvendo ferramentas que ajudem a identificar posturas hegemônicas, inclusive a própria, propondo caminhos pacientes de descolonização de subjetividades e relações, colocando-se a serviço das causas de libertação dos povos subalternos como um aliado confiável.

Nunca devemos esquecer que o conteúdo fundamental de toda missão cristã é a oferta da vida em plenitude por todos (DAp 361), pois não há nada mais decolonial do que “perceber quanto vale um ser humano, quanto vale uma pessoa, sempre e em todas as circunstâncias” (FT 106).