Rutilio Grande e companheiros beatificados
de Manuel Cubías – 23/01/2022
No sábado, 22 de janeiro, foram beatificados em El Salvador o padre jesuíta Rutilio Grande García, os leigos Manuel Solórzano e Nelson Lemus, junto ao frei franciscano Cosme Spessotto. A celebração foi presidida pelo cardeal Gregorio Rosa Chávez, bispo auxiliar de San Salvador, em nome do Papa Francisco. Cerca de 6.000 fiéis participaram da celebração. Os primeiros três foram assassinados em 12 de março de 1977 em uma emboscada. O último em 14 de julho de 1980, enquanto se preparava para celebrar a missa. Para o historiador e biógrafo Rodolfo Cardenal, a contribuição mais importante desses mártires é ter estado ao lado dos pobres em uma época de crise e violência.
Em 12 de março de 1977, por volta das cinco horas da tarde, padre Rutilio Grande, junto com Manuel Solórzano, 72 anos e o jovem Nelson Rutilio Lemus, 15 anos, dirigiam-se de carro para El Paisnal, um vilarejo a cerca de 40 quilômetros de San Salvador, para comemorar o último dia da novena em honra de São José, o santo padroeiro da comunidade. Em El Paisnal, a igreja estava pronta para a festa, mas o padre “Tilo”, como a comunidade o chamava, nunca chegou. Em uma emboscada, um grupo de homens armados atirou no carro que em seguida capotou e os três corpos foram deixados lá dentro. O relatório da polícia científica subsequente afirmou que o Padre Rutilio foi baleado doze vezes. As muitas pessoas que esperavam o sacerdote para celebrar a Eucaristia ouviram a notícia e correram para o local do assassinato. Um grupo de agentes da então Guarda Nacional não deixou ninguém se aproximar dos corpos.
Compromisso com os pobres
Padre Rutilio será beatificado no próximo dia 22 de janeiro em El Salvador junto com Solórzano, Lemus e o franciscano Cosma Spessotto. O jesuíta foi executado por seu compromisso com os pobres de El Salvador. A partir de 1970, a sociedade salvadorenha, caracterizada por enormes desigualdades, começou a tomar medidas em direção a uma maior organização camponesa para reivindicar seus próprios direitos. Foram anos caracterizados pelo confronto entre os diferentes grupos de poder e os sindicatos, mas também pela severa repressão do governo em um crescendo de violência que atingiu principalmente os membros da Igreja, acusados de incitar os camponeses e os pobres. Em 1992, no final da guerra civil que eclodiu em 1980, tinham sido mortos mais de 20 sacerdotes, quatro religiosas, centenas de catequistas e também o arcebispo Óscar Romero.
O ideal da fraternidade: uma mesa em comum com Cristo
Durante esses anos, o padre Rutilio trabalhou para garantir que a vida e os direitos dos camponeses fossem respeitados, como recordou o jesuíta padre Rodolfo Cardenal, autor do livro “Vida, pasión y muerte del jesuita Rutilio Grande” (2016). O sacerdote seguia um ideal de fraternidade para a Igreja e o mundo, como ele descreveu em uma homilia em 13 de fevereiro de 1977, em Apopa: “Longas toalhas de mesa, uma mesa em comum, cadeiras para todos, e Cristo no meio! Aquele que não tirou a vida de ninguém, mas a ofereceu pela causa mais nobre… A construção do Reino, que é a fraternidade de uma mesa em comum, a Eucaristia”.
Uma abordagem inovadora para a formação
O Padre Rutilio tinha adotado uma abordagem inovadora na formação de seminaristas, bem como de leigos e leigas, quando foi designado para a paróquia de Aguilares. Ele dizia: “Agora não vamos esperar por missionários de fora. Ao contrário, nós mesmos devemos ser missionários”. Neste esforço, o padre Rutilio Grande e seus companheiros jesuítas começaram a visitar pessoas tanto em comunidades rurais quanto urbanas. A proximidade com os camponeses e seus sofrimentos deveria ser um dos principais pontos do trabalho pastoral. Com o tempo, sua abordagem pessoal levou as pessoas à celebração da Eucaristia, aos sacramentos e ao estudo da Bíblia, resultando em uma comunidade vibrante de cristãos que participam ativamente da vida da paróquia.
Quatro mártires, quatro bênçãos
O Padre Cardenal afirma que a beatificação dos quatro mártires coloca a Igreja salvadorenha e latino-americana no caminho da Igreja mártir: “Rutilio Grande está associado a Dom Romero. E Dom Romero não pode ser compreendido sem Rutilio Grande. Ele e outros sacerdotes trabalharam para preparar o caminho pastoral que Romero seguiu e levou adiante”. Por outro lado, de acordo com o biógrafo jesuíta, o Padre Rutilio e os outros três mártires são o símbolo de “uma exigência de verdade e justiça em um país onde a mentira é estrutural, onde a impunidade prevalece e onde os crimes de guerra não foram investigados ou julgados”.
“Igreja em saída”
A contribuição mais importante desses mártires, diz o historiador, é a de ter estado ao lado dos pobres em uma época de conflito e dificuldade: “É o que o Papa Francisco agora chama de ‘a Igreja em saída’, que vai para as periferias. Eles foram para as periferias. Este era o sonho do Padre Rutilio, ele queria que a criação fosse compartilhada por toda a humanidade, que ninguém declarasse como próprio algo que fosse comum a todos. Ele promoveu a criação de comunidades onde cada um tinha seu próprio espaço”.
Rodolfo Cardenal insiste na importância da contribuição e da experiência pastoral do padre Rutilio Grande, particularmente a idéia de consolidar uma “pastoral de conjunto” que sublinha o exercício do cuidado pastoral em equipe. “Que, na essência, é o que o Papa Francisco chama de caminho sinodal”. Rutilio Grande lutou por isso, assim como “por uma sociedade na qual os seres humanos pudessem viver em plenitude”. A Igreja salvadorenha se prepara para a celebração desses quatro mártires no desejo de que a verdade seja conhecida e de que seja feita justiça.
Fonte: Vatican News