Simpósio de Missiologia avalia a recepção do Concílio Vaticano II na África
de Jaime Patias – 26/02/2015
Os participantes do 4º Simpósio de Missiologia que acontece esta semana em Brasília (DF), voltaram um olhar para a África. O evento faz memória dos 50 anos do Decreto conciliar Ad Gentes sobre a missão e sua recepção na diversidade dos continentes. Para apresentar a caminhada pós-conciliar na África, o Simpósio recebeu, na manhã desta quarta-feira, 25, dom Luiz Fernando Lisboa, bispo brasileiro da diocese de Pemba, Província de Cabo Delgado, região norte de Moçambique.
“África não é só pobreza. É neste continente que se encontram os vestígios da humanidade. O povo é forte e culturalmente rico e com uma história apreciável. A terra é riquíssima em recursos naturais e a Igreja tem grandes santos e doutores, além de milhares de mártires”, afirmou dom Luiz Fernando, CP, missionário Passionista, em Moçambique desde 2001. Natural de Valença (RJ), ele voltou ao Brasil em 2009 e, em junho de 2013, foi nomeado bispo de Pemba, diocese de 82.000 Km2, com 22 paróquias e mais de 800 comunidades. Lá atuam 115 missionários entre padres, religiosas, religiosos, leigos e leigas com formação.
Ao apresentar a realidade africana o bispo observou que quando se fala da África, normalmente o continente é visto como um único país. No entanto, trata-se de 55 países com uma variedade de povos e culturas. “A Europa simplesmente repartiu o vasto território entre alguns de seus países. A grande maioria dos países africanos alcançou a sua independência nas décadas de 1960, 1970 e 1980. São todos estados novos e cheios de riquezas naturais e, ao mesmo tempo, com os maiores índices de pobreza do mundo”.
Em sua análise, o bispo de Pemba destacou os grandes desafios enfrentados pelas populações africanas, como a qualidade da educação e saúde, a falta de água e saneamento, a desnutrição e as doenças, entre as quais, a malária, AIDS, dengue e ebola. Lembrou também, dos conflitos. “As influências do Estado Islâmico e a onda de fundamentalismo são evidentes em muitos países do norte”. Segundo dom Luiz Fernando, as condições de desenvolvimento humano em África estão melhorando, mas há muitos países atrasados. “A pobreza está gradualmente a diminuindo com melhoras na educação e na saúde, mas a exclusão persiste, resultando num acesso desigual às oportunidades econômicas e sociais”.
O assessor recordou as migrações forçadas e citou o caso de Lampedusa, na Itália, onde “o papa Francisco disse ao mundo, que é urgente e necessária uma proximidade aos imigrantes que buscam uma vida melhor, que fogem de seus dramas. Ao acolher os habitantes da Ilha de Lampedusa dão um exemplo ao mundo”.
Dom Luiz Fernando sublinhou o esforço do Decreto conciliar Ad Gentes na valorização das Igrejas locais nas diversas culturas. “É necessário que em cada grande espaço sociocultural, se estimule uma reflexão teológica… As tradições particulares e qualidades próprias de cada nação, esclarecidas pela luz do Evangelho, serão assumidas na unidade católica” (AG 22).
Para mostrar que desde o início do cristianismo a África teve uma participação significativa nomeou doutores e escritores africanos dos primeiros séculos: Orígenes, Santo Atanásio, São Cirilo (Escola Alexandrina), Tertuliano, São Cipriano e Santo Agostinho que nasceu em Tagaste, hoje Argélia. “A Igreja já teve três papas africanos: Victor I, Melquíades e Gelásio I”, completou o bispo para, na sequência constatar que a reflexão teológica sobre a Igreja em África se intensificou no período pós-independência de seus países, a maioria a partir de 1960 e, sobretudo, com as novidades eclesiológicas geradas pelo Concílio Vaticano II.
A Igreja na África realizou dois sínodos, ambos em Roma. O primeiro foi em 1994 como o tema, “A Igreja em África e a sua missão evangelizadora rumo ao ano 2000”. O outro aconteceu em 2009 e versou sobre a reconciliação, justiça e paz. A Exortação Apostólica pós-sinodal Africae Munus afirma que “é preciso reservar uma atenção preferencial ao pobre, ao faminto, ao doente, ao prisioneiro, ao migrante, ao refugiado, ao desalojado” (AM 27). Propõe também, “que cada um se torne cada vez mais apóstolo da reconciliação, da justiça e da paz” e que a Igreja em África seja “um dos pulmões espirituais da humanidade”, sublinhou dom Luiz Fernando.
Segundo ele, a Igreja na África é ainda muito “dependente, romanizada e estrangeira”. A diocese de Pemba, por exemplo, tem 35 seminaristas e depende da ajuda que vem de fora para suas necessidades administrativas. “Contudo, há alguns passos de africanidade na reflexão teológica, na liturgia e na inculturação da fé, apesar do longo caminho a percorrer”, ressaltou.
Para mostrar a recepção do Concílio em Moçambique, dom Luiz Fernando resgatou as decisões das três assembleias nacionais de Pastoral realizadas no país. A primeira, em 1977, propôs “uma Igreja não mais triunfalista, mas despojada e pobre, em renovação interior, de base e de comunhão, inserida nas realidades humanas e fermento da sociedade; uma Igreja que opta pelas Pequenas Comunidades Cristãs; uma Igreja que se propõe a desenvolver uma comunhão eclesial em todos os níveis e principalmente uma Igreja ministerial”.
A segunda Assembleia de Pastoral aconteceu em 1991 e reafirmou a ministerialidade. Pediu também, uma passagem do modelo colonial piramidal e clerical para um modelo circular e participativo. Por fim, em 2005, a terceira Assembleia escolheu como prioridades, “a formação dos agentes de pastoral, a Pastoral Juvenil, a Pastoral Litúrgica, a Pastoral da Família, as Pequenas Comunidades Cristãs, inculturação do Evangelho e autonomia Econômica”.
Dom Luiz Fernando louvou a presença de missionários e missionárias brasileiros na África. Em Moçambique, em particular, estes já representam o maior número de missionários estrangeiros. Contudo, há uma preocupação para qualificar melhor essa presença.
Como proposta, dom Luiz Fernando pede uma maior cooperação entre países, Igrejas, universidades e não uma nova colonização. “Uma Igreja ‘em saída’ que partilha e recebe, disposta também ao sacrifício. Uma Igreja com os pés descalços para tocar a cultura, aprender a língua, disposta a recomeçar; que dialoga sem superioridade, mas como igual. Missão é sair e isso significa ter compaixão, partilhar, aprender e crescer”, completou o bispo.
Promovido pelo Centro Cultural Missionário (CCM) e a Rede Ecumênica Latino-americana de Missiólogos e Missiólogas (RELAMI) o evento reúne 55 pessoas entre, docentes, teólogos, pesquisadores, representantes de instituições missionárias e agentes de pastoral do Brasil e convidados de Moçambique e do México. A programação que começou nesta terça-feira, 23, se estende até sexta-feira, 27.