Simpósio reúne teólogos e biblistas para refletir sobre Palavra de Deus e Missão
de Jaime Patias – 28/02/2014
O 3º Simpósio de Missiologia, realizado nos dias 24 a 28 de fevereiro no Centro Cultural Missionário (CCM) em Brasília (DF), teve um caráter ecumênico e continental. Foi o que se evidenciou através das contribuições do teólogo mexicano, Juan Manuel Quintanar, coordenador do Centro Nacional de Missões Indígenas (CENAMI), e do pastor metodista boliviano, Carlos Intipampa, professor no Instituto Superior Ecumênico Andino de Teologia (ISEAT), além das reflexões da pastora metodista brasileira, Nancy Cardoso.
Os debates contaram ainda com a participação do missiólogo Paulo Suess, Frei Carlos Mesters, professor Francisco Orofino e Irmã Tea Frigério, biblistas do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI).
Ao refletir sobre a “Palavra de Deus” e a Palavra dos “outros”, professor Juan Manuel Quintanar partiu do princípio de que a palavra dos “outros” (alteridade) é o próprio Deus já presente em cada povo. “A Bíblia é definida como ‘Palavra de Deus’. É comum pensar que os textos bíblicos apresentam as mesmíssimas palavras de Deus. Isso é um dogma básico do fundamentalismo”. Contudo, “a expressão ‘Palavra de Deus’ entendida como Bíblia, significa diferentes coisas para diferentes pessoas, segundo a ideia e o conhecimento que se tem sobre a Bíblia”, argumentou o missiólogo.
Juan Manuel Quintanar há anos acompanha grupos indígenas do norte do México, dentre eles, os Yaqui, Mayo, Guarojío e Pima. Em sua exposição, Quintanar trouxe o exemplo dos diálogos franciscanos com os sábios sobreviventes do império Mexica (os tlamatimine) escrito por Bernardino de Sahagún e seus colaboradores indígenas do Colégio de Santa Cruz de Tlatelolco no México. Através de textos ele demonstrou que esse diálogo terminou de forma trágica, pois os franciscanos não conseguiram convencer os indígenas de que a Palavra (a Bíblia) que os frades apresentavam era “a verdadeira”. Um dos motivos da desconfiança por parte dos indígenas foi o fato deles terem “perdido a guerra”.
Quintanar é mestre em teologia com especialização em missiologia e recorda que, “a dinâmica da missão, na primeira hora da Evangelização teve, em muitos missionários, o sentido de converter, mudar, erradicar e negar toda a experiência de Deus dos povos originários deste continente. Parecia que estes não tinham nada de bom a oferecer, mesmo que alguns dos missionários, por conhecerem os povos mais de perto, tivessem mudado essa visão”.
Segundo o pesquisador mexicano, evidências demonstram que “a experiência de Deus em cada povo é um fato real e permanente através do tempo, transmitido e herdado de geração para geração: de maneira oral, cuidadosa, respeitosa, dissimulada, calada, escondida aos ‘outros – diferentes’, por ser sagrado”. O estudioso reafirma que esses povos garantem “a própria identidade dentro da universalidade das diversas maneiras de fazer presente a Palavra, as sementes do Verbo, o Logo ou os Cristos semeados em todas as culturas”.
Para oferecer o Evangelho de Jesus é necessário “uma atitude humilde, compreensiva e profética valorizando sua palavra através de um diálogo respeitoso, franco e fraterno. Aqui brota a urgência de um diálogo intercultural com os povos, que inclui um conhecimento crítico de suas culturas”, argumentou Quintanar.
Teologia inter-religiosa
Na sequência, o pastor metodista boliviano, Carlos Intipampa, apresentou os pressupostos para uma “Teologia Inter-religiosa” e “interesperitual”. O historiador defende que todos os povos na América Latina, especialmente na Indo América tinham, antes do cristianismo e têm ainda hoje, “suas formas de se aproximar de Deus”. Ele explica que, “estas experiências de vida com Deus devem ser reconhecidas pelas igrejas cristãs em sua missão no sentido de uma descolonização religiosa e teológica. Não devemos fazer isso para complicar as igrejas cristãs e sim para enriquecer as experiências de Deus dos outros povos”.
A Bolívia é um dos países do continente americano com maior percentagem de população indígena. Cerca de 70% da população pertence a dois grupos étnicos originários, os aimará e quéchua. Além de pastor da Igreja Metodista, Intipampa é sacerdote aimará e relatou experiências mútuas entre as igrejas cristãs e os povos indígenas que enriquecem ambas as partes. Demonstrando amplo conhecimento da cultura e religiosidade indígena, o professor afirma que, “não podemos continuar com a missão clássica de achar que nós cristãos temos a ‘verdade absoluta’ e os outros não têm nada. Apesar dos mais de 500 anos de evangelização, os povos ainda mantêm em suas comunidades a religiosidade original”.
Intipampa explicou ainda que, na Bolívia há um esforço para passar da “inculturação” a um “diálogo inter-religioso” ou a uma “teologia intercultural”. Segundo ele, “a inculturação significa que nós cristãos ainda detemos a verdade absoluta de Deus. Utilizamos alguns elementos superficiais que o povo tem, mas no fundo, seguimos impondo nossas ideias a partir do cristianismo”. Por isso, ele vê a necessidade de avançar para uma relação inter-religiosa por que “também os povos originários têm uma visão clara e tangível de Deus, mesmo que não mostrem de maneira explícita”.
Quanto ao Simpósio, Intipampa avalia o evento como uma instância de fortalecimento espiritual para consolidar a sua aproximação de Deus desde a diversidade religiosa cultural. “Estou muito satisfeito e me sinto fortalecido. Vou partilhar com meus irmãos bolivianos, com minha Igreja Metodista e com outros setores, tudo o que discutimos aqui”. Na próxima quinta-feira, dia 6, haverá na Bolívia uma celebração inter-religiosa convocada pelo Ministério das Relações Exteriores e Cultos do governo com a presença das igrejas históricas e do presidente Evo Morales. Presidirá a celebração um pastor da Igreja Luterana e o pastor Intipampa está convidado para fazer a reflexão.
As reflexões do 3º Simpósio de Missiologia giraram em torno do tema: “Palavra de Deus e Missão: identidade, alteridade e universalidade na Bíblia”. O evento reuniu 50 pessoas entre, docentes, teólogos, pesquisadores, representantes de instituições missionárias, agentes de pastoral e animadores missionários e foi coordenado pelo padre Estêvão Raschietti, diretor do CCM.
Os trabalhos encerraram na manhã desta sexta-feira, 28, quando os participantes discutiram articulação da Rede Ecumênica Latino Americana de Missiólogos e Missiólogas (RELAMI), Associação criada em 2013 com a finalidade de desenvolver intercâmbio acadêmico e o aprofundamento da missiologia. Dentre as suas atividades constam a realização de simpósios, intercâmbios com outras associações afins e divulgação de pesquisas com foco na Missão. Com a finalidade de ampliar sua atuação, a RELAMI pretende intensificar a divulgação de suas iniciativas e ganhar novos associados.